- Se tu viesses ver-me à tardinha - dizia Florbela Espanca, - eu havia de contar-te os anos idos - dir-te-ia eu. Havia de contar-te as descobertas, as aventuras, os tropeções e sustos; e as vezes e o tempo que contemplei o teu retrato.
Se tu viesses ver-me à tardinha, eu havia de interrogar-te sobre o destino das almas: - Sempre é verdade que existem? E para onde vão? E porquê assim, de repente? - Tantas perguntas que eu tinha p'ra te fazer... Tanta coisa p'ra te contar… Sabias que comecei a desconfiar de deus quando partiste? Logo tu, que nos fazias tanta falta. Logo a mim, que era ainda tão pequena...
Se tu viesses ver-me à tardinha, havia de te contar dos namorados que tive, porque era a ti que queria revelá-lo em primeiro lugar. Havia de contar-te o que não disse a mais ninguém e retrospectivamente ouviria os teus conselhos.
Se tu viesses ver-me à tardinha, dir-te-ia das recordações que de ti guardo: da meiguice, do cheiro do teu bolo de canela, dos passeios e brincadeiras que partilhámos, da força das tuas mãos e mais ainda do teu carácter, do sorriso que me reservavas quando a morfina já não aplacava a tua dor mas aplacava a minha...
Se tu viesses ver-me à tardinha, eu juro que guardaria segredo. De qualquer modo, ninguém acreditaria. Talvez dissessem condoídos: - “Pobrezinha… descompensou”.
Uma coisa eu te garanto: se tu viesses ver-me à tardinha, nem que fosse só por uma vez, eu havia de pousar a cabeça no teu colo, sentir de novo a textura da tua saia e a aspereza das tuas mãos no meu cabelo, e pela primeira vez em muito tempo, poderia consentir-me fechar os olhos e voltar a acreditar, sem reservas, que o mundo é um lugar seguro.
Gosto tanto desses textos, onde a alegria da possivel felicidade chega. Gosto quando a amargura se dilui nos poemas e textos dela. Este é lindo.
ResponderEliminarbjs nossos e meus
Obrigada, caras amigas. Da Florbela apenas aproveitei este verso, que serviu de mote para o texto. Exactamente porque da poetisa o que geralmente mais aprecio é o início dos seus sonetos, já que tendem a terminar com tristeza.
EliminarUm abraço feito da alegria e felicidade que tão bem valorizam :)
Olá, R.
ResponderEliminarUma escrita como "véu de luto"...
Permito-me, apenas, deixar-lhe sonoridade:http://www.youtube.com/watch?v=klVXY3F6mdk&feature=youtube_gdata_player
Tão distraído que tenho andado. Que hei-de ser sempre assim já não posso duvidar, meio aluado, a despeito da minha profissão, agora profissão em part-time que a outra parte é de reformado
ResponderEliminar(meio reformado, não gosto da expressão pensionista, pensionista? porquê, é a migalha que a SS me transfere mensalmente que compensa os 44 anos de trabalho com descontos obrigatórios para serem (mal)geridos pelo Estado, que dá o direito a dizerem que fazem o favor de me dar uma esmola?)
a deixar passar textos espantosos como este!
Gostei muito da forma como o tema está tratado, do estilo que já conheço de há uns anos, apesar de não ser assíduo nos comentários.
Um abraço amigo, deu-me para ficar sensibilizado, deve ser próprio da minha natureza,
R,
ResponderEliminarParabéns pelo texto que mostra saudade mas que também conta a alegria de uma partilha anunciada num tempo prescrito.
Abraço e bom fim de semana!:)
Mas A Florbela faltaram-lhe muitas visitas à tardinha para ela acreditar que o mundo era um lugar seguro!
ResponderEliminarAbraço
Tão, tão bonito! Emocionei-me...
ResponderEliminarObrigada por partilhares.
Um grande beijinho e continuação de bom fim de semana.
R.,
ResponderEliminarPalavras belas e sentidas que gostaria muito de conjugar na primeira pessoa.
beijo :)
Texto luminoso, nostálgico, pungente - como um pôr-de-sol. Ou como um amanhecer?
ResponderEliminarAbraço
Só podia ser um belo texto de Florbela
ResponderEliminarBoa partilha
esta expressão "à tardinha" é tão florbela, melancolia, quem por ela se apaixone arderá no inferno, disse Dante, não sei se tem razão.
ResponderEliminarSimplesmente belo. Á tardinha, de madrugada, ao fim de um dia ou a qualquer hora do dia :)
ResponderEliminarUm belo texto. Que bom se alguém tivesse ido vê-la "à tardinha"...Mas a verdade é que ela "esperou". Isso é já bom, não é?
ResponderEliminarAndei à sua procura e depois "descobri" este seu outro blog!
Abraços
Tão bonito, R.!
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