(Maria Helena Vieira da Silva, Entreprise Impossible, 1967)
Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade./ Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia./ O último trovador morreu em 1914./ Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples./ Se quer fumar um charuto aperte um botão./ Paletós abotoam-se por eletricidade./ Amor se faz pelo sem-fio./ Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a O Jornal/ que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura./ Mas até lá, felizmente, estarei morto.
Os homens não melhoram/ e matam-se como percevejos./ Os percevejos heróicos renascem./ Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado./ E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)
(Carlos Drummond de Andrade, O Sobrevivente, in 'Alguma Poesia', 1930)
Pois eu já ia te avisar que fizeste um, rs, boa noite.
ResponderEliminaralguém falou em impossível??o impossível é bom para entreter com ele sonhos e desejos fortes, é um enleio que gostamos de usar para justificar que somos pequenos e temos medo, só muito raramente é real, na nossa perspectiva,claro. a missão deve ser à medida da nossa dimensão e um bocadinho para lá dela.abraço e abraço
ResponderEliminar"...E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio."
ResponderEliminarO corolário do poema, o diagnóstico da realidade...
Beijo :)
Belíssimo este desespero de Carlos Drumond de Andrade!
ResponderEliminarHá alturas em que sentimos que tudo o que nos rodeia está errado, como os percevejos que se digladiam!
Bom dia R. :)
Há não muito tempo li um conto de Eça de Queirós, "Civilização", em que o personagem principal, Jacinto de seu nome, vivia rodeado de toda a panóplia de máquinas e maquinetas, destinadas à comodidade, mas que, paradoxalmente, o enredavam num conjunto de operações intermináveis e isentas de conforto ou prazer. Eça, jocoso, sabia o que escrevia...
ResponderEliminarBeijinho! Boa resto de semana!
de tirar o fôlego, adorei
ResponderEliminarO valor destes textos reside no facto de nos confrontar com problemas que na aparência -- Parecendo tão simples -- nos confrontam com o nosso quotidiano de rotina e soluções que não
ResponderEliminarresolvem tudo. Muito longe disso, muito, muito longe.
Não poderei deixar de felicitar-te pela magnífica escolha de textos que tanto nos desassossegam.
Bjs, R.
a falta de fôlego começa na viera da silva :P
ResponderEliminarFulgurante Drummond de Andrade: a ironia, a desilusão e a ternura!
ResponderEliminarE penso que é como se ele tivesse acabado de escrever este poema hoje!
(a ligação com o quadro da Vieira da Silva está perfeita)
Abraço
Maravilhoso! :)
ResponderEliminarOlá a todos e muito obrigada pelas sempre reforçadoras e desafiantes impressões. Gosto de combinar os meus dilectos das diferentes artes, e estes dois são soberbos. Uma combinação 'possível' e que muito me alegra que vos tenha agradado também :) Ainda por cima, o poema de Andrade pareceu-me incrivelmente actual, apesar de escrito há 80 anos! E se a isto acrescentarmos algum sentido de humor, como é o caso, então temos o corolário perfeito!
ResponderEliminarUm abraço grande e sentido, com os votos de um excelente fim-de-semana!
Passei por aqui e gostei deste espaço.
ResponderEliminarQuero dizer-te que te encontrei no Dispersamente.
Este poema faz doer e ranger os dentes pela crueldade das palavras oportunas e reais.
Este tempo veio desmascarado. Eu ainda tento fingir, esperando que melhor......
Muito, muito bom. Faz tão bem ao meu domingo. Que bommmmmm!
ResponderEliminarum beijinhooooooooo
:)))
Caro Luís, muito obrigada. E, sim, há-de melhorar certamente, só não sabemos quando. Façamos figas para que não demore :)
ResponderEliminarmdsol, aqui fica o agradecimento reiterado pelo comentário que animou igualmente o meu Domingo :)
Muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito obrigada! :)
A complexidade do simples
ResponderEliminarÉ por acreditar em Drummond que não subo escadas rolantes parada e o que posso's afins..
ResponderEliminarMar Arável, não podia estar mais de acordo. Essa, aliás, parece-me ser uma constante em Drummond.
ResponderEliminarMia, partilho das mesmas inquietações.
Abraço grande a ambos!
Belo e desconfortável por mexer tanto connosco!
ResponderEliminarAbraço
Partilho da beleza deste 'desconforto', Rosa dos Ventos. Obrigada e um abraço também :)
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