4 de dezembro de 2009

O que diz... Alçada Baptista

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A luz do dia começava a distinguir o contorno dos montes (...) O belo disco de luz alaranjada ia-se erguendo e nós ficámos a olhar para o sol e para os raios que ele ia pondo na encosta da serra. Ficámos quietos e silenciosos como numa missa e aquele ritual diário , mas que a gente raras vezes tinha ocasião de ver, transmitia-nos uma grande serenidade e uma imensa emoção. (...)
Ela disse:
- O mundo é tão bonito!
Eu comentei:
- O que faz isto bonito está dentro de nós. (...)
- Talvez fosse possível ensinar as pessoas a ver nascer o sol...
Eu perguntei:
- E a ti, quem te ensinou?
- Tudo me ensinou: o meu pai, a minha mãe, o mundo em que eu nasci... Tudo mais ou menos me preparou para coisas destas. Viver é capaz de ser uma educação de sentimentos.

(...)

Temos responsabilidade para com aqueles que nos estão próximos e a que temos para com aqueles que nos estão longe deve ser proporcional à capacidade de ajuda que lhe podemos dar. Podemos matar a fome a quem passa fome ao nosso lado, mas não sei o que poderemos fazer pelo Chile ou pelo Afeganistão. Proceder de outro modo é alimentar uma forma de ficção que ultrapassa e salvaguarda o nosso egoísmo.

(...)

O demónio terá que ser outro porque nós nos viemos transformando. Deixámos de ser unos e somos múltiplos. Por isso o demoníaco é hoje subtil, tortuoso, enigmático, enganador. E cá vai a frase do Baudelaire que é obrigatória sempre que se fala no diabo: "La plus belle ruse du Diable est de nous persuader qu'il n'existe pas".

(António Alçada Baptista In "Catarina ou o Sabor da Maçã")

2 comentários:

  1. "O que faz isto bonito está dentro de nós"
    Dá que pensar, não dá?
    Beijinhos e bom Domingo!

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  2. Dá que pensar, sim, amiga. E não há dúvida que muito do que podemos (usu)fruir depende apenas da nossa predisposição.

    Beijinhos e volta sempre :)

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