17 de fevereiro de 2012

Da amnésia europeia

«Na noite em que Atenas voltou a arder, Manolis Glezos foi barrado pela polícia quando pretendia entrar no parlamento. (...) O octogenário de bigode branco e olhos azuis disse com a dignidade de um velho resistente aquilo que Venizelos, o ministro das Finanças, entredisse mais tarde, na outra margem do desespero: "Há vários países que já não nos querem". Esta constatação de que a Europa das contas certas se dá ao luxo de descartar uma das suas partes como se apagasse uma parcela errada, esta ideia de que o controlo da dívida justifica o abandono de valores estruturantes, fundadores, da própria ideia de Europa, é já explicitada com o despudor e a desfaçatez dos cobradores de fraque. Karolos Papoulias, o presidente grego, (...) veio lembrar-nos que os europeus lutaram juntos no passado. (...) Ora desse passado (...) há, ainda, mesmo que aparentemente residuais, contas por saldar. Foi o que Manolis Glezos gritou à porta do parlamento na noite em que Atenas voltou a arder. Ele lembrou que Hitler obrigara o Tesouro grego a emprestar dinheiro ao III Reich. 100 milhões de euros, às contas de hoje. Berlim pagou dívidas semelhantes a outros países, depois da guerra. Mas nunca saldou a dívida que tem perante a Grécia, agora "descartável". Quem é o (...) o velho resistente Manolis Glezos (?). Quem é este homem? É aquele que num certo 30 de Maio de 1941, retirou a bandeira nazi da Acrópole. De Gaulle chamou-lhe "o primeiro partisan da Europa". (...) Escorados na memória e nos valores que fundaram a Europa, Manolis Glezos e Mikis Teodorakis, ambos antigos resistentes e antigos deputados, estiveram à porta do parlamento, na noite em que Atenas voltou a arder. Diante da força policial que os barrou, eles repetiram Zorba, o Grego, a cena em que Zorba abre os braços e grita para o companheiro: - "Alguma vez viste um desastre mais esplêndido?". Zorba, o que dança na praia de Stravos, levado pela música de Teodorakis. Chamavam-lhe "Epidemia". Porque espalhava o caos.».
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(Sinais, "Manolis Glezos", crónica de Fernando Alves na TSF, em 16/02/2012)
Imagem: Memosine (deusa da memória), pintura de Rossetti, 1875-76.

11 comentários:

  1. R.,
    Os novos senhores do mundo parecem querer apagar todas as memórias, mas parece que ainda há quem resista.

    Beijo :)

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  2. Somos todos gregos!
    Ou deveríamos ser!
    Boa recordação a de Zorba, o Grego!

    Abraço

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  3. Infelizmente creio que esta destruição da Europa e não só, está toda programada ao milímetro até que todas as conquistas, julgadas irreversíveis pela nossa geração, voltem à estaca zero para poderem governar "mandando de novo" ditatorialmente.

    É a tal mudança de paradigma de que a História está cheia e que, na actualidade é demasiado breve para surpreender as gerações duas a três vezes na sua vida, dado que a esperança de vida, hoje em dia, dura quase um século a maioria das vezes. Custa viver tanto tempo para viver tudo isto.

    Este foi o comentário que o Fernando Alves me merece uma vez que há um dado adquirido em tudo isto. A comunicação tem ajudado imenso os manipuladores na sombra a chegaram onde estão chegando uma vez que pactuam com os corruptos, os "mercados" e escondem, a maior parte das vezes, a verdade pura e dura.

    Bom Domingo de sol

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  4. R,
    É incrível o esquecimento das atrocidades... e não só...
    O magistral conhecimento que se difundiu a partir de Atenas, berço da nossa civilização, parece que não interessa. De que arquétipos vivemos?

    A crónica é excelente!
    Abraço e bom fim de semana. :)

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  5. Vou ouvindo notícias sobre o país que me deixam boquiaberta. Aquela em que referiam a necessidade de muitos pais abandonarem os filhos por não puderem comportar com as despesas deixou-me completamente perturbada...
    Este é um texto muito esclarecedor, porque é um facto que a Grécia foi o berço de princípios e práticas de gerir a "coisa pública" avessos àquilo a que actualmente assistimos.
    E ainda nos falam do perigo de contágio. Contágio de quê? Da desumanidade? É que é esse que mais devemos temer.
    Beijinho e continuação de um bom fim de semana.

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  6. Na verdade está em curso a ocupação alemã desta europa

    por via da asfixia económica

    Estamos gregos

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  7. Depois do caos a reconstrução. Paradigmas precisam cair, pessoas não. O mundo necessita respirar, mas não a custa de pulmões alheios.
    Que a Europa, a Grécia que tanto sofre, Portugal que tanto sofre, consigam ares de dignidade e resistam. Esquecer é matar a cultura e matando a história se mata um povo.

    bjs grandes de todas nós.

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  8. Olá R.,
    E por falar em Hitler, mais um tiro no pé: “O filho ilegítimo do ditador alemão chamava-se Jean-Marie Loret e morreu em 1985. Na sua juventude, juntou-se à Resistência francesa e lutou contra as forças de ocupação alemãs” ( http://www.dn.pt/inicio/globo/interior.aspx?content_id=2315745&seccao=Europa)...

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  9. (Acabei por não "tocar" noutro aspecto, ate porque gosto bastante da ilustração do Rossetti. Não temos, também, uma "mnemosine" do G. Klimt? Estou incerta, mas 2012 "é o ano" de Klimt)...

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  10. gregos e alemães os geradores potentes das traves da cultura ocidental. poderosos pensadores. ambos. o contexto favoreceu os alemães, mas os gregos não são de baixar os braços. grande expectativa para o que vem a seguir. e já agora, que se perdoe a dívida, acho eu. eles não.abraço sem segredos.

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  11. Tantos Manolis e Mikis pelas ruas de Atenas e por toda a Grécia! Lutando, não ajoelhando!E dando-nos força para a nossa luta, que é a mesma!

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