3 de fevereiro de 2012

São pessoas, senhores. São pessoas.

.
Por estes dias chega a Portugal a vaga de frio que  tem assolado a Europa. A comunicação social anuncia que autarquias e instituições várias reforçam o apoio "aos sem-abrigo". Pessoalmente, abomino esta expressão. Categorias, como esta, remetem aquele que é humano para um plano abstracto, "coisificam-no", tornando-o invisível para muitos e aliviando a consciência de outros tantos. Não são "os sem-abrigo". São pessoas sem abrigo. São a Maria, o António, o José, o João e tantos outros, privados de condições condignas de subsistência. Se sentem frio, fome, dor, ou a simples necessidade de um banho, não dispõem de meios imediatos para os enfrentar; mas a matéria de que são feitos é idêntica à nossa. Não há os "sem abrigo" e os "outros". Há, tão-somente, pessoas. 

15 comentários:

  1. É a chamada classificação em massa, perde-se o nome, vira número e estatística. O reconhecimento de que existem pessoas que podem morrer de frio e de fome deveriam passar pelo tempo medíocre da necessidade governamental e sentimental dos fora da realidade e entrar no contesto real. "SER, de ser humano".

    Parabéns pelo post, esperemos que mais pessoas se atentem para o fato.

    bjs nossos

    ResponderEliminar
  2. Uma realidade muito dura que por muitos motivos se vai agravando.
    Hoje lembram as ruas de Lisboa, mas poderiam mostrar aldeias do Norte, Bragança. Tantos sem habitações que os abriguem deste frio, sem lenha para se aquecerem nem um simples aquecedor eléctrico ou outro.
    São velhinhos sem rendimentos nem carinho de ninguém. Aldeias perdidas no parque natural de Montesinho que com este frio gelam sem nada.

    ResponderEliminar
  3. "Categorias, como esta, remetem aquele que é humano para um plano abstracto, "coisificam-no", tornando-o invisível para muitos e aliviando a consciência de outros tantos."

    Para além disso, qual espiral suicida, vão-nos habituando à ideia que isto é uma coisa natural. A multidão, grata por ainda estar do lado de cá, desvia os olhos e segue em frente.
    A dignidade está mesmo a ir pelo cano.

    Beijo :)

    ResponderEliminar
  4. Sem dúvida, tens toda a razão. Impressionante a fotografia.

    ResponderEliminar
  5. E que interesse têm estas pessoas para o poder instituído? Só servem para embaraçar e aumentar custos. Portanto...
    (não esquecerei o olhar ainda brilhante, num rosto deformado pela falta de dentes, de uma mulher jovem que, entrevistada ontem para um qualquer tele-jornal numa das tendas de atendimento aos "sem-abrigo", dizia que só queria ter uma casa e um emprego a fazer limpezas, que era o que sabia fazer).
    São pessoas, sim, e têm sonhos!

    ResponderEliminar
  6. Compreendo o teu ponto de vista. Acrescentaria que as palavras exprimem visões e que, para além delas, há também as acções ( ou a sua ausência). E, neste caso, a culpa não morre solteira.
    Um beijnho e uma óptima semana!

    ResponderEliminar
  7. Também vi essa peça na TV, Justine!
    Fiquei tocada por aquele sorriso desdentado mas conformado...só queria mesmo era fazer o que sabia fazer! Tão simples...e tão difícil!
    Pois são pessoas mesmo, R.!

    Abraço

    ResponderEliminar
  8. Na verdade somos pessoas
    mas algumas sem abrigo

    Há responsáveis
    que saiem das urnas eleitorais
    e os que se atropelam para neles votarem

    Há mercados anónimos que perseguem e produzem
    paises sem abrigo
    neste sistema apátrida
    sem valores humanos

    Bj

    ResponderEliminar
  9. "Há tão somente pessoas", como comungo desta ideia e como me repugna a palavra coisificada.
    Louv+avel esta postagem.
    Um abraço e boa semana!:)

    ResponderEliminar
  10. Concordo - "Tão somente, pessoas" cujos destinos estão interligados..
    o reforço dos apoios a mim parece-me anedótico, pelos pressupostos..
    o frio é condição para serem lembradas estas pessoas, tão desgarradas..
    e o isolamento? não leva também a uma morte lenta e dolorosa??? :(
    Mundo muito lindo, mas muitas pessoas feias...

    ResponderEliminar
  11. Concordo, a classificação é desplicente, é mais para arrebanhar do que para dizer.

    ResponderEliminar
  12. R.:
    84 milhões de indivíduos estão no que se considera o "limiar da pobreza" em toda a Europa. Tenho vergonha desta Europa que se afasta do que deveria ser central em todas as sociedades - "a pessoa", e teima em contabilizar... a gerir as sociedades com meras máquinas registadoras.

    Pede-se para aguentar todos os sofrimentos, todos os sacrifícios... mas o que mais me incomoda é que associada à perda dos direitos de cidadania não deve haver lugar a "PIEGUICE".

    Que revolta!!!

    Um abraço :)

    PS: Ainda no contexto deste "post", uma das coisas que me chocou no último RECENSEAMENTO À POPULAÇÃO, realizada pelo INE, foi a existência da categoria "sem abrigo". Trata-se do reconhecimento formal do poder instituido da situação dos mais desprotegidos que tende a permanecer e intensificar-se nas sociedades que se dizem mais prosperas. Fenómeno absolutamente lamentável.

    ResponderEliminar
  13. Respostas
    1. Talvez por isso, para evitar confusões, uma senhora governamental, disse, ontem, que, por causa do frio 'os sem abrigo não deviam sair de casa'.
      Afora isso, subscrevo inteiramenta as suas palavras!
      abraço,

      jorge

      Eliminar
  14. Quando reduzimos os sujeitos a objetos facilita discursos panopticos , facilita essa ajuda mas em forma de quem pode dar e quem necessita de receber. Quem dá domina quem recebe. Quem dá produz a verdade dominadora e controladora.
    Discursos que nos amedrontam e que nos controlam, mesmo quando não somos sem abrigo.
    Parabéns pelo blogue

    ResponderEliminar